Ansiedade: 1 em cada 8 crianças sofre com o problema

10.jul.2017

Ansiedade: 1 em cada 8 crianças sofre com o problema

Um choro inconsolável quando o pai ou a mãe saem para o trabalho (afinal, será que vão voltar?). Nervos à flor da pele dias antes de se apresentar em público na escola. Mãos suadas ao sair de casa para tomar vacina… O que essas cenas ilustrativas – que podem estar acontecendo aí na sua casa – têm em comum? A ansiedade. Segundo a Associação Americana de Ansiedade e Depressão, uma em cada oito crianças apresenta algum distúrbio desse tipo, desde quadros mais leves até patológicos. E, para os especialistas, esse número tende a aumentar, por causa da rotina atribulada e cheia de cobranças da vida moderna. É fato que há um componente genético que torna algumas crianças mais sensíveis que outras. Mas o ambiente e a criação têm um peso igual ou mais importante.

1 em cada 8 crianças tem algum distúrbio de ansiedade.

Assim como o medo, a ansiedade –que pode surgir em qualquer idade e momento – está ligada à sobrevivência do ser humano. Frente a uma situação de estresse, o sistema límbico, região cerebral que comanda todas as nossas emoções e comportamentos sociais, envia um sinal para o sistema nervoso central. Assim, o corpo inteiro fica em estado de alerta: os batimentos cardíacos aceleram, os músculos tensionam, as mãos transpiram. É o organismo respondendo à iminência de um perigo, seja ele real ou hipotético.

Para a psiquiatra infantil Ana Cristina Mageste, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), esse quadro surge a partir de “uma falta de recurso para enfrentar as adversidades, o que causa muito sofrimento”. E como as crianças ainda estão construindo seu repertório para lidar com situações de estresse e provações, elas podem ser especialmente vulneráveis a seus efeitos. É por esse motivo que até a espera por algo bom, como Natal ou aniversário, pode se transformar em uma verdadeira tortura e deixar seu filho desestabilizado e inquieto.

Gustavo*, 8 anos, sofre justamente com essa angústia quando está esperando por algo bacana, seja uma visita à casa das primas ou uma excursão com a escola. Nesses casos, ele mesmo já avisa para a mãe, Flávia*, especialista em marketing: “Ai, mamãe, já estou com dor de barriga agora que sei que vou passear!”. Segundo ela, o alerta de que o filho era ansioso surgiu com a observação de sinais típicos: “De modo geral, ele é uma criança muito feliz e ativa, mas começou a se dispersar demais no colégio. Também notei que estava com dificuldade de ter um sono contínuo e começou a cutucar demais as unhas”, conta ela. Além desses sintomas, dores de cabeça e no corpo sem motivo aparente, queixas frequentes de cansaço e falta de ânimo para ir à escola também indicam que algo não vai bem.

Quando passa do limite

Em geral, o indicado como tratamento é a terapia cognitivo-comportamental, que ensina a lidar com os sentimentos de forma mais equilibrada. A ideia é lentamente expor a criança a situações que a desestabilizam e, conforme ela adquire segurança para lidar com o que sente, passa a novos desafios. Essa foi a solução encontrada por Flávia para ajudar o filho, combinada à homeopatia.

É verdade que, em uma dose saudável, a ansiedade pode ajudar a se preparar melhor para uma situação crítica. Ficar ansioso por causa de uma prova é um bom motivo para estudar mais. Mas nem sempre é assim. “Às vezes, a sensação é tão intensa e causa tanto mal-estar que a pessoa fica paralisada e não consegue agir”, diz o psiquiatra Fernando Asbahr, coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP). A partir desse ponto, ela pode se tornar um problema.

Não existe exame clínico capaz de detectar um nível de ansiedade considerado acima do normal. “Ela pode se tornar patológica dependendo da dose. Quem sofre com fobias, por exemplo, tem a sensação de que está correndo um grande perigo. É a criança que não entra no elevador de forma alguma por ter medo de que vai cair”, diz Asbahr. Por isso, cabe aos pais ficarem atentos: se os sintomas passam a atrapalhar a qualidade de vida da criança, se são persistentes (prolongando-se por dois ou três meses) e se alteram o comportamento dela, procure um especialista. Outro alerta é quando ela passa a ter dificuldades no ambiente a que está acostumada: apresenta problemas em lidar com outras crianças na escola ou piora do relacionamento em casa.  “Atualmente, a prevalência de ansiedade patológica nas crianças que sofrem do transtorno é em torno de 28%”, diz a psiquiatra. É comum que crianças ansiosas apresentem outras doenças associadas, como depressão e Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), que é o caso mais comum. Cerca de 30% das crianças que sofrem com esse transtorno também manifestam ansiedade. Por isso, vale investigar.

80% das crianças com algum tipo de ansiedade não recebem tratamento.

Mas nem todos os pais reconhecem que esses sinais dos filhos precisam ser levados a sério. De acordo com um relatório do Child Mind Institute (EUA), publicado no ano passado, oito em cada dez crianças com ansiedade diagnosticável não fazem nenhum tipo de tratamento. “Primeiro, os pais precisam ter a dimensão de que se trata de um problema. Ainda escutamos muitos dizerem aos filhos para largar de frescura”, conta Asbahr.

Só que, para conseguir lidar com a ansiedade, é essencial que a criança se sinta acolhida pelos pais. “É importante ajudá-la a reconhecer seus medos e mostrar que eles são aceitáveis. Sentimentos são sempre legítimos porque não são controlados”, diz o pediatra Daniel Becker, autor do blog Pediatria Integral. Por isso, não minimize o sofrimento do seu filho e encoraje-o a superar os motivos de sua aflição sem forçá-lo a nada. Diga que você entende por que ele está com medo, que também já se sentiu assim.

Só não caia na armadilha de tentar evitar que a criança enfrente o que lhe causa ansiedade, passando a fazer tudo por ela ou mudar o curso das situações. A família toda não pode subir de escada porque a criança tem medo de elevador. “A ideia não é poupá-la de situações reais, que cedo ou tarde terá de lidar. E, sim, fazê-la se sentir segura e amparada”, explica Becker. Aqui, não há outro caminho: é preciso ter carinho, paciência, empatia e entender que algo que você tira de letra pode, sim, ser motivo de grande angústia para ela. O melhor para que o seu filho enfrente os desafios é ter você ao lado dele.

Precisa de remédio?

Uma das grandes preocupações em relação ao diagnóstico de ansiedade é a medicalização do problema. Um estudo realizado entre 2005 e 2012, publicado no periódico Neuropsychopharmacology, mostrou que a prescrição de antidepressivos para crianças e jovens aumentou 54% no Reino Unido. Até a própria Organização Mundial da Saúde já manifestou preocupação com o consumo de medicamentos sem necessidade para menores de 18 anos. É verdade que, em alguns casos, quando há outras doenças associadas, como depressão e TDAH, ou quando o próprio distúrbio já é considerado severo, é difícil que a criança esteja em condições de seguir o tratamento terapêutico. “Se ela estiver muito deprimida, apática, não vai conseguir ser capaz de se expor a situações que a afligem, nem trabalhá–las”, diz Asbarh. Nesses casos, pode ser necessário que sejam prescritos medicamentos. Os mais comuns são os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, um neurotransmissor responsável pelo “estado de vigília” do cérebro. O principal problema, no entanto, é que as crianças apenas controlem os sintomas com os medicamentos, sem aprenderem as estratégias necessárias para lidar com as situações que levam à ansiedade. Por isso, a terapia, com ou sem medicação, é indispensável ao tratamento.

A ansiedade da separação

As primeiras angústias do seu filho vão surgir bem antes da idade escolar, de aprender a contar os dias para um evento importante no calendário e até de pronunciar as primeiras palavras ou dar os primeiros passos. A ansiedade da separação, que não tem esse nome por acaso, pode aparecer por volta dos 6 meses, quando o bebê começa a se dar conta de que ele e a mãe não são um ser único. E essa percepção gera sofrimento. “O processo de separação entre o filho e a mãe costumava durar até os 3 anos, quando muitas crianças entram em idade escolar e passam a frequentar a educação infantil. Mas, hoje, vemos algumas de 7 ou 9 anos que ainda manifestam esse tipo de angústia“, explica Ana Cristina.

No caso de Larissa, 4, o quadro se intensificou após o nascimento de seus irmãos trigêmeos. Quando a menina estava prestes a completar 2 anos, sua mãe, a blogueira Andréa Jacoto, deu à luz Anna, Alexandre e Felipe, hoje com 2 anos. “Seu mundinho de filha única foi invadido. Ela passou a dividir minha atenção com mais três irmãos e, mesmo que trabalhássemos o melhor possível nosso relacionamento, o ciúme e a sensação de perda foram inevitáveis”, conta a mãe. Além dos três dias que Andréa passou na maternidade, os gêmeos ficaram 29 dias na UTI neonatal, o que exigiu uma dedicação diária da mãe, deixando a primogênita insegura. “Os dias que fiquei internada na maternidade foram os primeiros que passei longe dela. Foi muito difícil, mesmo chegando em casa e dedicando 100% do meu tempo à Larissa”, conta. Desde o nascimento dos irmãos, a menina passou a acordar todas as madrugadas em busca da mãe e continua fazendo isso até hoje.


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