Amigos imaginários podem ir além da imaginação? Entenda um pouco mais sobre eles

16.dez.2016

Amigos imaginários podem ir além da imaginação? Entenda um pouco mais sobre eles

Frequentemente pais e educadores se preocupam com o aparecimento de amiguinhos criados na imaginação das crianças a sua volta. Elas agem como se realmente existissem, dando nomes e inclusive separando um lugar a mesa para eles, mas ….devemos de fato nos preocupar?!

Devida à escassa literatura a cerca deste tema, as considerações aqui formuladas foram constatadas de experiências clínicas sob o viés psicanalítico com crianças que a autora possui, sendo elas baseadas em mais de 11 anos de atuação.

É perfeitamente normal e aceitável que crianças de 3 a 7 anos façam surgir em meio de suas brincadeiras um ou mais amigos imaginários, eles fazem parte de sua rotina, geralmente tem a idade próxima das mesmas e passam a ter um nome, mostrando a ligação afetiva da criança.

Observa-se que, na maioria dos casos, este fenômeno aparece quando a criança está passando por um momento muito difícil como mudança de escola ou de casa, divórcio dos pais, gravidez da mãe, conflitos conjugais ou quando perdeu alguém importante, por exemplo. Assim, ele a auxilia na superação desses momentos.

Às vezes eles podem durar muito mais do que a idade mencionada e por um longo período, pois a intenção dessa criação psíquica é facilitar alguns processos emocionais da criança, como lacunas afetivas, frustrações, perdas, elaboração de medos, ensaiar algumas situações que serão vivenciadas e geram angústia como ir a escola pela primeira vez. O conceito de Freud (1908) a cerca da fantasia se encaixa perfeitamente neste contexto, onde descreve as fantasias como sendo desejos insatisfeitos que têm o objetivo de corrigir uma realidade insatisfatória.

Os benefícios do amigo imaginário se assemelham muito ao que o brincar representa para a criança, aonde ela transmite algo do seu inconsciente, o que dá vazão a uma forte angústia. Assim como na brincadeira, os amigos imaginários tomam a forma e a representação que a criança quiser e que mais tem necessidade na etapa do desenvolvimento em que ela está vivenciando, assim ela internaliza melhor seus sentimentos sem perceber. Eles são praticamente uma extensão imaginária da própria criança.

Ela pode representar com o amigo imaginário um momento que considerou difícil na sua vida real e mudá-lo, como por exemplo, quando vai ao médico e se sente apreensiva. Posteriormente ela pode representar essa situação brincando, tendo a opção de ficar no lugar do médico e o amigo imaginário fica com o seu lugar, tendo uma vivência diferente da situação original. Além do que a ajuda a ensaiar suas futuras relações como “gente grande”, onde Freud (1908) já levantava a importância de ensaiar sua fantasia de ser grande como um adulto.

Alguns estudiosos colocam que praticamente todos nós tivemos um companheiro imaginário ao longo do nosso desenvolvimento, porém quase nunca lembramos, pois eles foram feitos para os adultos não descobrirem e normalmente a própria pessoa se esquece dele mais tarde.

Não seria interessante que os pais desencorajassem seus filhos a manter amigos imaginários, limitando sua fantasia e criatividade. Frases como “quando esse amigo imaginário vai embora?!” ou “chega dessa bobagem!” são muito comuns e não ajuda em nada a criança, pelo contrário, só a deixaria mais insegura e desestimulada a continuar imaginando, criando. A saúde emocional de uma criança é observada através da sua capacidade de criar e fantasiar, ou seja, nota-se a importância do mesmo para o desenvolvimento infantil.

Alguns famosos exemplos desta questão que são bem importantes para as crianças, são tanto amigos particulares como coletivos, como o Papai Noel, Coelhinho da Páscoa ou a Fada do Dente. Essa fantasia ajuda a desenvolver a capacidade de abstração, o que trará diversos benefícios, como não acreditar somente no que vê. Futuramente, ela terá mais facilidade para captar conceitos mais abstratos, que vai desde falar de emoções, do que sente, até o conceito de um átomo ou de uma dízima periódica.

Os amigos imaginários são criações das crianças com as quais ela coordena e dirige suas ações, as colocando em situações que elege como importantes e, à medida que se sente mais segura, vai os deixando de lado, vai necessitando cada vez menos de suas companhias. Quando essas criações passam a controlar a criança, interferir na sua rotina e lhe causando mais angústia do que a minimizando, é um sinal de alerta, deixando de ser um recurso e tornando-se uma limitação.

Partindo desse ponto de vista, começa-se a pensar numa psicose infantil, mas antes é preciso termos clareza do que isso significa e não pensarmos que nossos filhos estão ficando loucos por possuírem amigos imaginários, falarem sozinhos ou estar recebendo instruções de vozes. Vamos entender a diferenciação de algo saudável que representa um conflito cotidiano, que são as neuroses, e de uma patologia, a psicose.

Para Freud, “a neurose é resultado de um conflito entre o ego e o id, ao passo que a psicose é o desfecho análogo de um distúrbio semelhante nas relações entre o ego e o mundo exterior” (FREUD, 1923, p.167). Ou seja, na psicose o contato da criança com o mundo externo fica prejudicado, ela acredita piamente que aquela invenção existe, que é real, e não que faz parte de sua fantasia. Já a criança neurótica sabe que sua criação não faz parte da realidade externa. O autor ainda afirma que “a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la” (FREUD, 1924, p,207).

Dessa maneira, conseguimos distinguir uma criança saudável de uma criança em estado psicótico e quando devemos nos preocupar, pois a criação dessa figura imaginativa é um ótimo recurso emocional e só tende a ajudar a criança. Porém quando este passa a dominar as vontades da criança e controlar seu comportamento, é um sinal de alerta. Também seria importante entender que para um diagnóstico de uma patologia tão séria, a existência de um amigo imaginário na vida da criança não deve ser o único componente decisivo a ser levado em consideração existe outros aspectos da vida social e afetiva que precisam ser investigados e avaliados. Se a criança não possui muitos amiguinhos e se atenta mais a suas criações imaginárias, não buscando o contato externo, é sinal de que algo não vai bem, e não quer dizer necessariamente que a criança tem algo mais sério.

Assim, concluímos que os amigos imaginários são criações psíquicas importantes e que carregam intensos sentimentos e emoções, auxiliando a criança a lidar com seus medos e conflitos, além de ter a possibilidade de melhorar suas habilidades sociais.

Como é alvo de grandes preocupações por parte de pais e educadores, espera-se que os apontamentos feitos causem mais alívio e clareza, ao invés de tentar negar a existência deles, pode-se entrar na imaginação da criança, mostrando interesse e aceitação, pois assim ela sente-se mais segura e confortável em falar sobre eles, sem precisar esconder ou omitir. Fortalece o vínculo entre adulto e criança, onde este passa a entender um pouco mais sobre o seu mundo interno.

 

Ana Carolina Principessa Marioti Dantas
Psicóloga Clínica especializada em Psicossomática
CRP 06/83167
Psicóloga graduada em 2005 no Curso de Psicologia (Bacharelado e Licenciatura) do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Católica de Santos, situada na cidade de Santos (SP), especializada em Psicologia Clínica – Atualização em Psicopatologia, em especial a Psicossomática.
Atua na área clínica com crianças desde a sua formação, ou seja, há 11 anos. No consultório atende individualmente crianças, adolescentes e adultos sob o viés da abordagem psicanalítica. O consultório se localiza na Av. Conselheiro Nébias, nº168 – conj. 23 – Boqueirão. (13) 99712-0225.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABERASTURY, Arminda. A criança e seus jogos. Porto Alegre:Artmed, 1992
FREUD, Sigmund. A perda da realidade na neurose e na psicose.. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. p.205-212. Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Original Publicado em 1924).
______. Escritores criativos e devaneio. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. IX. p.135-143. Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Original Publicado em 1908).

______. Neurose e psicose. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. p.167-174. Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Original Publicado em 1923).

WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
KRENKE, Inge S. Amigos imaginários. Mente Cérebro. Edição 205, 2010. Revista Online. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/amigos_imaginarios.html>. Acesso em: 2 Mar. 2013.


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